Nas ruas estreitas da Mafalala, cresci como um ávido rapaz, carregando nos olhos o brilho dos sonhos e no peito a vontade de realizar cada um deles. Em cada esquina, em cada viela, era um cenário onde eu imaginava meu futuro, onde via os carros luxuosos dos filmes e sonhava com o emprego que prometia um amanhã melhor.
Eu queria crescer rápido, queria alcançar aquele futuro brilhante que minha mente jovem pintava. No entanto, na pressa de amadurecer, esqueci-me de curtir a simplicidade da infância. Não soube apreciar os momentos em que a vida ainda era leve e as responsabilidades pareciam distantes.
Hoje, ainda espreitando a juventude, mas feito homem pelas circunstâncias da vida, percorro descalço as ruas de Xiquelene, da Mafalala a Xipamanine, com uma txova na mão gritando em em busca do pão diário. Afinal sete bocas dependem de mim, do meu esforço e da minha determinação. E, entre essas bocas, as flores do meu jardim, meus quatro irmãozinhos, cujos sorrisos brilham mesmo regados pelo suor da dificuldade.
A vida, em sua dureza, arrancou-me a caneta com que desenhava meu futuro, e com ela o sonho de ser um respeitado arquiteto, pronto para construir um Moçambique melhor, um sonho que hoje parece distante. Mas a esperança, essa teimosa companheira, não me abandona.
Cada dia é uma batalha, cada jornada uma prova de resistência, embora o caminho seja árduo, a força para continuar vem do amor que sinto pelos meus. Eles são a razão das minhas lutas, o motivo pelo qual não desisto. Persisto, mesmo quando a noite é escura e o peso do mundo parece insuportável.
Há saudades, sim, de uma infância nunca vivida, de um tempo que passou sem que eu pudesse aproveitar. Mas há também a certeza de que cada passo dado, cada esforço feito, constrói um futuro, não só para mim, mas para aqueles que vêm depois.
E assim, mesmo descalço, com txova na mão, sigo adiante. O brilho nos olhos dos meus irmãozinhos, meus pais e minha sobrinha é o meu combustível, seu riso minha recompensa. Na dureza da vida, encontrei a força que nem sabia possuir. E na persistência, descubro a cada dia, o verdadeiro significado da esperança.
Porque a luta pode ser dura, mas a vitória pertence a quem não desiste. E eu, com todas as minhas cicatrizes e sonhos interrompidos, sou a prova viva de que, enquanto houver amor e determinação, há sempre uma nova chance de florescer.