No coração árido do deserto do Karoo, na província do Cabo Setentrional da África do Sul, encontra-se Orania, uma pequena cidade exclusivamente branca que tem atraído atenção nacional e internacional por sua proposta singular: preservar a cultura e a identidade afrikaner por meio de uma comunidade auto-suficiente e exclusiva. Fundada em 1991, Orania representa uma tentativa de um grupo de afrikaners de manter vivas suas tradições em um país que, após o fim do apartheid, busca construir uma sociedade multicultural e inclusiva.
Origens e fundação de Orania
A área onde hoje se localiza Orania foi originalmente estabelecida em 1963 pelo Departamento de Recursos Hídricos da África do Sul como Vluytjeskraal, uma cidade para abrigar trabalhadores envolvidos na construção de canais de irrigação conectados à Represa Vanderkloof. Após a conclusão do projecto em 1976, a cidade foi gradualmente abandonada. Em 1991, um grupo de afrikaners liderado por Carel Boshoff, genro de Hendrik Verwoerd (considerado o arquitecto do apartheid), adquiriu a área com o objectivo de criar uma comunidade onde pudessem preservar sua cultura, língua e valores sem interferência externa.
Estrutura social e económica de Orania
Orania é administrada por uma empresa chamada Vluytjeskraal Aandeleblok, na qual os residentes compram acções para se tornarem membros da comunidade. A cidade possui sua própria moeda, o “Ora”, que é utilizada localmente e tem paridade com o rand sul-africano. A economia local é baseada em agricultura, pequenas indústrias e serviços, todos operados por residentes afrikaners. Uma característica distintiva de Orania é que todas as tarefas, desde trabalhos manuais até funções administrativas, são realizadas por membros da comunidade, promovendo a auto-suficiência e evitando a contratação de trabalhadores externos.
Cultura e identidade afrikaner
A preservação da cultura afrikaner é central para a existência de Orania. A cidade celebra feriados tradicionais, como o “Dia do Voto” e o “Dia da Fundação”, e promove eventos culturais que destacam a história e as tradições afrikaners. Instituições educacionais locais ensinam em africâner e enfatizam os valores e a história do grupo. Museus e centros culturais exibem artefactos históricos e promovem o orgulho cultural entre os residentes.
Orania tem sido objecto de debate tanto dentro quanto fora da África do Sul. Seus defensores argumentam que a comunidade é uma expressão legítima do direito à autodeterminação cultural garantido pela constituição sul-africana. Eles vêem Orania como um modelo de auto-suficiência e preservação cultural em um mundo globalizado.
Por outro lado, críticos apontam que a exclusividade racial da cidade contraria os princípios de uma sociedade inclusiva e democrática. Embora Orania afirme que qualquer pessoa que adopte a cultura afrikaner pode se tornar residente, na prática, a comunidade permanece predominantemente branca. Documentários e reportagens destacaram a natureza segregacionista da cidade, gerando debates sobre racismo e exclusão.
Relações com o governo e a sociedade Sul-Africana
Orania opera de forma semiautónoma, com suas próprias instituições e serviços, mas ainda está sujeita às leis e regulamentos nacionais. A cidade tem buscado reconhecimento e apoio internacional, especialmente de países com laços históricos com os afrikaners, como a Holanda e a Bélgica. Em 2022, representantes de Orania visitaram parlamentos europeus em busca de apoio para sua causa.
Dentro da África do Sul, a cidade é vista por muitos como um símbolo de resistência às mudanças pós-apartheid. Enquanto alguns afrikaners consideram Orania uma solução viável para preservar sua identidade, outros a vêem como um retrocesso que impede a integração e a reconciliação nacional.
Futuro de Orania
Nos últimos anos, Orania tem experimentado crescimento populacional e desenvolvimento económico. A cidade tem investido em infra-estrutura, energia renovável e planejamento urbano para acomodar uma população crescente. Planos incluem a expansão de áreas residenciais e comerciais, bem como a criação de instituições educacionais superiores.
Apesar dos desafios e controvérsias, Orania continua a atrair pessoas que compartilham de sua visão de preservação cultural e auto-suficiência. Seu futuro dependerá de sua capacidade de equilibrar a manutenção de sua identidade com as realidades de uma sociedade sul-africana diversa e em constante evolução.
Orania representa uma experiência única de tentativa de preservação cultural em um contexto pós-apartheid. Enquanto busca manter viva a identidade afrikaner, a cidade enfrenta críticas por sua exclusividade e isolamento. O debate sobre Orania reflecte questões mais amplas sobre identidade, inclusão e o futuro da diversidade cultural na África do Sul.