No litoral moçambicano, entre as águas quentes do Oceano Índico, repousa a história do Forte de São Caetano, a primeira fortificação portuguesa erguida no Oceano Índico, em 1505. Muito mais que um conjunto de pedras, o forte é testemunha de encontros culturais, lutas pelo poder e da formação do que hoje é Moçambique. Este artigo explora suas origens, sua importância estratégica e seu estado atual, iluminando um capítulo fundamental da história regional.
O Contexto Pré-Português: Sofala como Centro Comercial
Antes da chegada europeia, Sofala já se destacava como um entreposto comercial de grande relevância. Desde o século X, o porto atraía mercadores árabes e indianos que ali negociavam ouro, proveniente do interior, especialmente das minas do Império Monomotapa, com bens como tecidos, especiarias e porcelanas. O geógrafo árabe Al-Masudi já mencionava Sofala como uma das rotas cruciais do comércio transoceânico, evidenciando a importância da região muito antes dos portugueses.
No século XIV, a cidade estava sob o domínio do sultão de Quíloa, um dos principais centros comerciais da costa da África Oriental. Posteriormente, o Império Monomotapa ampliou seu controle até a costa, incluindo Sofala, consolidando a região como polo de riqueza e intercâmbio cultural.

Fundação do Forte: A Chegada Portuguesa e a Consolidação do Poder
Em 1505, sob o comando de Pêro de Anaia, os portugueses fundaram o Forte de São Caetano com o objectivo de assegurar a presença lusitana e controlar a rota do ouro do Monomotapa. Inicialmente uma estrutura simples, feita de madeira e terra, o forte rapidamente começou a ser reconstruído em pedra, graças ao esforço de Manuel Fernandes, que deu continuidade às obras após a morte de Anaia.
O projecto contou com materiais trazidos directamente de Lisboa e da vizinha Quíloa, mostrando a importância estratégica que Portugal dava ao local. O forte, erguido em formato quadrado, tinha quatro baluartes redondos e muros altos para resistir a ataques, além de uma torre de vigia e uma cisterna interna, vital para o abastecimento de água doce, visto que o rio Búzi era salgado.

Vida no Forte e sua Influência Regional
Além de sua função militar, o Forte de São Caetano abrigava uma igreja matriz, demonstrando o papel da religião na colonização e na consolidação da presença portuguesa. O local rapidamente se transformou num centro de comércio, onde ouro e outros produtos do interior eram trocados por tecidos do Oriente, porcelanas e algodão de Cambaia.
A presença portuguesa modificou profundamente a dinâmica local, tanto nas relações comerciais quanto culturais. Contudo, o relacionamento com as populações locais nem sempre foi conflituoso, existindo períodos de cooperação e trocas pacíficas.

Desafios, Conflitos e Declínio
Durante o século XVII, o forte enfrentou ameaças externas, incluindo ataques de holandeses interessados no controle do comércio do Índico. No entanto, os maiores desafios vieram da própria natureza. A erosão costeira e o avanço do mar começaram a corroer as estruturas do forte, enfraquecendo suas muralhas.
Ao longo do tempo, suas pedras foram reaproveitadas para outras construções coloniais, como a Catedral da Beira e a Fortaleza de Maputo. No século XIX, relatos indicam que já restavam apenas ruínas fragmentadas, e no século XX, as águas do Oceano Índico engoliram parte das estruturas remanescentes.
O Forte Hoje: Ruínas Submersas e Património Cultural
Actualmente, o Forte de São Caetano é quase invisível durante a maré alta. Apenas na maré baixa é possível avistar partes das muralhas e da torre, exigindo uma caminhada pelo leito arenoso do oceano para contemplar essas ruínas que guardam séculos de história.
O local é uma fonte valiosa para arqueólogos e historiadores que buscam entender o início da presença europeia em África Oriental. Além disso, é um símbolo das complexas interacções entre povos africanos, árabes, indianos e europeus que moldaram a identidade cultural da região.
Curiosidade Literária: Camões em Sofala
Entre 1567 e 1569, o poeta Luís de Camões provavelmente viveu em Sofala enquanto acompanhava o capitão-mor Pero Barreto Rolim. Este período teria influenciado sua obra, especialmente considerando o isolamento e o contacto com culturas diversas. A presença do poeta reforça o papel histórico-cultural do forte e da região.
Sofala Nova e a Cidade Fantasma
Com o abandono da antiga vila, surgiu a Sofala Nova no século XX, próxima às ruínas do forte. Contudo, com a erosão e a mudança da sede administrativa para o Búzi em 1972, a cidade entrou em declínio, transformando-se numa cidade fantasma. O avanço do mar continua a reconfigurar o espaço, apagando traços do passado.
O Forte de São Caetano de Sofala é uma cápsula do tempo que conta uma história de encontros, comércio, colonização e transformação cultural. Seu estado actual, submerso e frágil, é um convite para reflectirmos sobre a importância da preservação do património histórico e cultural de Moçambique, bem como sobre as múltiplas histórias que formam o país.
Referências
- Artur Ferreira (2023). História Submersa: Vila de Sofala. Revista Índico.
- Eduardo Ribeiro. Camões e a Busca dos Trunfos Perdidos.
- João dos Santos. Etiópia Oriental (Crónica do século XVI).
- Eduardo Costa. Administração da Companhia de Moçambique (1892–1900).
- Alfredo Brandão Gró de Castro Ferreri. Apontamentos de um ex-Governador de Sofala (1886).
- Acervo de fotos: fortalezasmultimidia
